O jargão famoso 'Em casa de ferreiro, o espeto é de pau' não é valido para a família Grael. Isso porque a filha de Torben Grael, Martine Grael, assim como o pai, também é uma velejadora de altíssimo nível no cenário mundial.
Torben já venceu cinco medalhas olímpicas, sendo duas de ouro, uma de prata e duas de bronze. Também já foi campeão mundial quatro vezes em duas categorias de vela diferentes, e já conquistou um ouro na Volvo Ocean Race, assim como um bronze. Ou seja, o quadro de medalhas desse brasileiro o coloca na posição de um dos melhores velejadores do mundo de todos os tempos. Ele é também o segundo maior detentor de medalhas olímpicas do Brasil.
Tanto sucesso no iatismo foi passado ainda na mamadeira para sua filha Martine, que começou a velejar com apenas quatro anos de idade. Desde então, ela não parou mais.
Hoje, aos 25 anos, Martine é dona de uma medalha olímpica de ouro na categoria 49er dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Medalha conquistada com junto com a parceira e proeira Kahena Kunze. Parceria entre famílias de sucesso por duas gerações, já que Kahena é filha do velejador campeão mundial, Claudio Kunze, ex parceiro de Torben.
Mas os títulos de Martine não param por ai. Em 2014, elas também foram campeãs mundiais da mesma modalidade e Martine foi eleita a melhor velejadora do mundo.
Neste ano, a carioca foi a única brasileira mulher a participar da Volvo Ocean Race, a prova mais desafiadora da vela oceânica. Trocamos uma ideia com Martine para saber como foi essa aventura de dar a volta ao mundo a bordo de um barco a vela, sendo mulher em um meio tão masculino... Veja a entrevista completa e conheça melhor essa atleta de tirar o chapéu!
Você é a única mulher brasileira a ter corrido a Volvo Ocean Race, certo ? Como é essa prova?
A Volvo Ocean Race é uma prova de vela oceânica, onde se disputa uma série de etapas que vão de um continente a outro.
Durante essas pernas onde 7 times tentam encontrar a rota mais rápida ao destino entre os sistemas de pressão atmosféricas, a mãe natureza pode jogar as temidas tempestades no caminho de quem ousa desafiar sua grandeza.
Eu sendo uma dos 9 tripulantes no barco, e única mulher brasileira a participar é claro que encontrei inúmeras dificuldades.
Desde ganhar o respeito dos colegas, enfrentar o desafio de aprender a velejar esses barcos de 65 pés, e aguentar o ritmo acelerado da rotina a bordo e da regata em si.
A vida a bordo gira na forma de turnos, são 4 horas fora para 4 horas dentro. É claro que você deve pensar:
"Então, você tem 12 horas de sono por dia?"
- Não!
As 4 horas “off” são horas para as tarefas no barco, como tirar a água que entra com baldes (tudo focado na performance), fazer higiene pessoal (não tem banho e mal tem um banheiro), comer a ‘gororoba’ que é a comida de astronauta e tirar as roupas impermeaveis que ficam encharcadas.
Além de dormir, é claro!
Só que se houver manobras, e são muitas, toda a tripulação é necessária. Então te acordam e se você tiver sorte, dá tempo de voltar a dormir.
Quais são as maiores dificuldades para um(a) velejador(a) na Volvo Ocean Race?
A falta de sono. O cansaço físico. E a convivência num espaço relativamente pequeno. O confinamento acaba sendo muito pior do que as tempestades em si.
Nós pegamos muito frio e muito vento nessa edição. E os longos períodos com o barco velejando nas ondas como um toro mecânico e com jatos de spray que parecia que estavam nos atirando ondas de 2 metros a cada 10 segundos, nos deixavam sob tensão máxima.
A vela também é um esporte majoritariamente dominado por homens, como é ser mulher neste meio?
Como mulher, a gente sofre preconceito em praticamente qualquer coisa que fazemos, então temos que nos provar o tempo todo.
Com pouca experiência antes de embarcar nessa aventura/jornada tive que me esforçar para aprender as coisas, observar muito e ter muita atenção para não fazer nada errado e acabar machucando alguém, pois as cargas são muito pesadas.
Os homens muitos já chegaram com experiência de outros barcos. Conhecem uns aos outros e quando se juntam num time assim, já tem funções definidas e já sabem o que fazer.
Eu não tive muitas oportunidades de velejar em barcos grandes antes e quando entrei no time, as pessoas esperavam que agente já soubesse o que fazer, além de não nos darem funções muito definidas.
Foi um desafio: tentar fazer melhor.
Não acho que fui melhor do que os outros tripulantes homens, mas adorava surpreender quem me subestimava.
Você foi eleita a melhor velejadora do mundo, como é isso para você?
Foi em 2014 e concorremos nos dois anos seguintes. Para mim eu sempre quis ser uma velejadora “all around”, uma velejadora completa. Quando fui eleita junto com a Kahena Kunze, não sentia ainda que estava nem perto de ser uma velejadora completa. Mas depois dessa Volvo certamente dei um passo galopante para a direção que queria.
O título é um reconhecimento legal, mas não quer dizer muito para mim.
Hoje, onde está morando, e quais são os seus próximos objetivos?
Hoje em dia me sinto muito mais cidadã do mundo do que qualquer outra coisa. Digo que meu endereço para correspondências ainda é na casa de meus pais no Rio de Janeiro, onde ainda vou ‘morar’ até os jogos de 2020. Mas a chance de me encontrar lá é pequena.
Vai correr a Volvo Ocean Race alguma vez na vida? Quando?
Tenho vontade sim de fazer a regata novamente, sob condições ligeiramente diferentes. E certamente ter pelo menos um bom amigo a bordo.