Personagem do novo Street Fighter é um desserviço à identidade da mulher brasileira
Escrito por Greg Candalez
7 min de leituraPublished on
Laura Matsuda é uma mulher brasileira, natural do Rio de Janeiro. Ela é mestra em jiu-jitsu do estilo Matsuda. Só que Laura não é uma pessoa. Ela não é real e, mesmo assim, é protagonista de uma polêmica no mundo dos videogames por causa de suas roupas. Ela é a nova personagem brasileira de Street Fighter e a empresa desenvolvedora, a japonesa Capcom, está recebendo duras críticas pela forma hiper-sexualizada com que retrata a personagem.
A coisa toda se dividiu em duas vertentes. De um lado, mulheres e homens criticaram a abordagem da desenvolvedora ao criar uma personagem brasileira exageradamente sexualizada. Sabemos que outras personagens do jogo também são sexualizadas, como Elena, Cammy, Rainbow Mika e Poison. Porém, nenhuma delas pertence a uma nacionalidade estereotipada como a da mulher brasileira. Ninguém associa a Inglaterra de Cammy a mulheres voluptuosas e festas de rua erotizadas. Nem o Quênia, tampouco o Japão. Então é natural que isto tenha um peso considerável.
Do outro lado, homens, em sua grande maioria, e também algumas mulheres reclamaram da reclamação do pessoal que se sentiu incomodado. Segundo eles, é só um jogo, é só entretenimento, é feito para relaxar e, ainda por cima, a roupa polêmica é opcional. Quem não quiser que não compre.
Dentro dessa visão de mundo, um argumento repetido incansavelmente é que as feministas adoram dar liberdade pra mulher escolher a própria roupa, mas criticam o traje de Laura.
Só que a Laura não pode escolher a própria roupa. Ela é de mentirinha, um desenho, criado por pessoas, aí sim, reais. Estas pessoas reais, no caso, são homens japoneses. Como personagem, a Laura torna-se um veículo narrativo. Laura foi pensada por muita gente para transmitir uma série de conceitos e ideias pressupostas através de signos. Não existem decisões de design sem fundamentos. Nada está lá por acaso, como eles lhe diriam.
Quem vestiu Laura não foi ela mesma, foram homens. Um grupo de homens, o mesmo tipo de homem que coloca uma amazona guerreira para lutar de salto-alto e calcinha nos quadrinhos, por exemplo.
Esses homens são especialistas na criação de jogos e quadrinhos, que sempre tiveram homens como público-alvo majoritário. Só que isso está mudando. Quase metade dos jogadores de games brasileiros é composta por mulheres. As empresas e desenvolvedoras precisam superar esses obstáculos e acompanhar as mudanças no mundo. Elas não precisam concordar com isso, afinal são apenas empresas, não pessoas. Mas elas precisam transmitir essas ideias porque isso pode ser muito bom pros seus jogadores.
A identidade da mulher brasileira
Nas palavras de Yoshinori Ono, produtor do jogo e um dos creditados como criadores da personagem: “Desde sempre ouvi que havia muitas mulheres lindas no Rio de Janeiro, mas não foi bem isso que vi quando fui pra lá em 2011. Para Laura, decidimos então trabalhar com a visão mais fantasiosa que os japoneses têm da mulher brasileira, não exatamente retratar a mulher brasileira com fidelidade. Ah, e tem um pouco das minhas preferências pessoais também”. Essas aspas foram extraídas de uma entrevista concedida por ele ao UOL Jogos em outubro de 2015.
Não surpreendentemente, a visão que os japoneses e o resto do mundo têm da mulher brasileira é que elas são sensuais e vestem-se de maneira provocante. Nossos cartões postais, afinal, são praias e o Carnaval. Muita gente inclusive usa isso como justificativa: a culpa é nossa por ter passado essa visão pro mundo. Sempre foi assim.
Rainbow Mika é outra que estrelou uma polêmica há um tempinho. Em uma cena que a produtora Capcom já removeu do jogo, a câmera dava um zoom exagerado no derrière da moça e ela dava um tapa no próprio traseiro antes de executar um golpe. A rapaziada encheu o peito para falar de censura. Nas palavras do próprio produtor, eles “não fizeram nenhuma mudança por influência externa”.
"Decidimos remover aquilo porque queremos que o maior número possível de pessoas joguem e não queremos ter no game algo que possa deixar alguém desconfortável”, completa Ono.
Mika é praticante de luta livre mexicana, então sua fantasia tem pelo menos certo contexto. Entretanto, El Fuerte também é lutador de lucha libre e ele não apalpa o bumbum, nem sacoleja os testículos antes de saltar na cabeça do oponente. Até a própria empresa percebeu que passou dos limites com essas cenas, que não são representam um conceito estático como as roupas de Laura, ou da própria Mika.
Daí a Capcom resolveu sexualizar o protagonista da série, o karateka Ryu. Ele ganhou barba e perdeu o uwa-gi (a jaqueta do kimono) em um traje alternativo, que escancarou seu peitoral absurdamente coberto de músculos, o que lhe rendeu o apelido de "Ryu Gostoso", que até a própria Capcom usa. A empresa também disse que pretende dar barbas para outros personagens – o que é legal, porque barbas são maneiras, mas isso foge totalmente do problema.
Só que tem uma questão muito importante nessa discussão toda, entre os que defendem a empresa e os que a criticam. É só dar uma passeada pelas notícias sobre a Laura e descer para a área dos comentários. A reação e percepção das pessoas dizem muito sobre as questões culturais de um povo. E sabemos muito bem que o Brasil é um dos países mais machistas do planeta.
No fim do dia, essa é Laura com a sua roupa alternativa no jogo, a grande estrela de toda a polêmica envolvendo a personagem: calcinha fio-dental asa-delta, micro-shorts jeans, meia-camiseta revelando a parte debaixo dos seios, sem sutiã, e usando sandálias gladiador. Definitivamente não é a melhor roupa pra lutar jiu-jitsu na rua.
Sempre foi assim
“Mas sempre foi assim”, argumentam. Essa é uma das frases mais comuns que se ouve da boca de quem defende as escolhas machistas da Capcom. Para quem já tem os privilégios da sociedade, a melhor coisa que existe é que o status quo se perpetue. Para que mudar se está bom do jeito que está? Nunca reclamaram disso antes, pra que reclamar agora? O mundo está chato, é o que reclamam.
Na verdade, o mundo sempre foi chato. As pessoas sempre se ofenderam. Elas sempre reclamaram disso. Os negros, que eram linchados e enforcados nos Estados Unidos, brigaram por seus direitos. Os escravos no Brasil, vítimas históricas da truculência branca, fizeram (e ainda fazem) o mesmo. As sufragistas morreram pelo direito de votar. Casais brigaram nas câmaras políticas pelo direito ao divórcio. Os homossexuais gritam para serem ouvidos e terem seus direitos reconhecidos.
O mundo sempre foi uma tremenda gritaria. A única coisa que mudou foi que, agora, esses gritos estão mais altos e sendo ouvidos por todo mundo. E isso incomoda o status quo. Torço para que essas vozes nunca se calem.
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