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Corinna Schwiegershausen durante recorde mundial
Corinna Schwiegershausen estabelece recorde mundial no sertão brasileiro
Com pouco mais de 10 mil habitantes no agreste paraibano e com menos de 3 mil pessoas no sertão cearense, mal poderiam imaginar os moradores das cidades de Tacima (PB) e Juatama (CE), longe de qualquer holofote, que estes locais entrariam de vez para a História. Em novembro de 2017, a multicampeã mundial em asa-delta, a alemã Corinna Schwiegershausen, completou 8 horas de voo pelas térmicas do sertão brasileiro, atravessou três estados e estabeleceu dois novos recordes mundiais femininos de voo com impressionantes 407,8 km de distância.
Trocamos uma ideia com a Corinna acerca desta nova conquista em pleno sertão brasileiro. Acompanhe a entrevista abaixo.
Red Bull: Primeiro, parabéns pela conquista! Conte-nos um pouco mais sobre este novo recorde mundial
Corinna Schwiegershausen: Eu queria bater dois recordes. Um deles era o de distância livre, uma marca de 403km que deveria ser superada por pelo menos um quilômetro. Ao mesmo tempo, queria bater o recorde que chamamos de ‘gol declarado’, em que o piloto previamente informa um ponto específico onde irá chegar voando. Para isso precisava atingir um ponto pré-determinado, além de 367 km a partir da decolagem. Portanto, se eu conseguisse voar 405 km com um objetivo previamente informado e homologado, eu conseguiria superar as duas marcas de uma só vez. Esta me pareceu uma boa oportunidade.
Usando as coordenadas de GPS, eu vinha tentando voar de Tacima, na Paraíba, até Juatama, que é o pouso oficial da rampa de Quixadá, no Ceará. Terminou sendo bem mais difícil do que eu imaginava e tomou bastante tempo para conseguir.
Como surgiu a ideia de estabelecer um novo recorde mundial em asa-delta?
Na verdade foi meu amigo brasileiro, Marcelo Abbott, que sugeriu que eu fosse até Tacima para tentar o recorde mundial de distância, que não havia sido quebrado em 16 anos. Primeiro eu pensei: "será?". Eu nunca tinha pensado em fazer algo assim, então ele me contou que algumas pessoas já tinham realizado voos maiores do que 400 km naquele local. Passei a analisar com calma e pensei que talvez pudesse ser uma boa ideia. Reservei quatro semanas para as tentativas, para viajar, conhecer a região e me preparar. Não foi fácil, mas cheguei até aqui e pude voar com meus amigos.
Que tipo de dificuldades, por exemplo, você enfrentou ao longo do caminho?
Ah… (risos) por onde eu começo? Foram muitos desafios… eu quase desisti porque sempre aparecia alguma surpresa a todo momento. Eu não estava acostumada a decolar nos ventos fortes, que chegam a oscilar entre 50 km/h e 60 km/h, principalmente em outro país, então fiquei um pouco nervosa e tive certa dificuldade no início. Outro grande desafio foi voar em equipe com outros pilotos, avaliar como voamos juntos, ganhar confiança de que eu seria encontrada pelo motorista se tivesse que pousar pelo caminho. Outra barreira psicológica é que quase não há tem sinal de celular no sertão, então temos que confiar no rastreador via satélite que envia mensagem com a posição do pouso para a equipe de apoio em solo. Estes foram pequenos desafios.
Houve um dia específico em que eu tive que pousar logo em frente à decolagem e o motorista teve que viajar para buscar outro piloto que chegou nos 400 km de voo. Com isso, tive que ficar o dia seguinte sem poder voar.
No total, foram oito voos. Perdemos muitos dias devido ao tempo, tivemos inclusive dias de chuva, o que é raro para esta época. Todos os dias eu tinha que estar pronta às 7h, decolar próximo das 8h para ter o tempo necessário para navegar no ar por 405 km com as térmicas e o vento, sem usar qualquer motor.
Alguns lugares no mundo são conhecidos por serem ideais para o voo de asa-delta, tais como a Austrália, os estados do Texas e a Califórnia nos Estados Unidos. Como o sertão paraibano / cearense se destacam em relação àqueles lugares mencionados?
Acho que o melhor benefício de tentar esse recorde aqui foi o convite do meu amigo Marcelinho. Ele me mostrou o local, compartilhou um pouco da experiência dele e alguns ‘logs’ de outros voos longos que já tinham sido feitos partindo de Tacima. Então eu pude ver que era realmente possível! Outra vantagem de lá é que você tem fácil acesso ao ponto de decolagem todas as manhãs e decola sem necessidade de nenhuma infraestrutura de voo rebocado, como em desertos planos como no Texas, que também é muito procurado para recordes. O relevo também não te bloqueia com nenhuma grande cadeia de montanhas, ainda que o sertão não seja exatamente plano; e isso facilita um pouco se comparado a outros locais. Mas definitivamente, descobri que aqui há mais cactos e espinhos do que na Austrália (risos).
Esta é a primeira vez que você vem ao Brasil?
Bem... muita gente não acredita, mas eu divido minha carreira com o trabalho de comissária de voo. Então esta deve ser a centésima vez em que estive no Brasil (risos). Eu voo para o Rio ou São Paulo quase todos os meses e eu amo demais o país. Eu realmente queria trazer este recorde dos Estados Unidos para cá. Eu me sinto um pouco brasileira depois de tantos anos conhecendo tanta gente por aqui. As pessoas são tão receptivas e prestativas. Os pilotos locais estão sempre felizes em ajudar e voar em grupo. O astral das pessoas é incomparável, festivo e, claro, é um dos melhores países para se voar de asa delta.
Sempre fomos poucas mulheres no esporte. Provavelmente menos de 5% no mundo todo. Mas se as meninas olharem hoje para mim, vão entender que também é possível para elas. Eu não sou nenhum Schwarzenegger; sou apenas uma Schwiegershausen
Você uma vez afirmou que tinha medo de altura, de alguma maneira o medo acabou tendo o efeito contrário do esperando e funcionou como impulsor para a sua carreira em asa-delta?
No começo eu achei que poderia perder meu medo de altura tentando algo como o voo livre. Mas na verdade isso não funcionou, porque a partir do momento em senti que eu tinha asas, não tinha mais razão para confrontar o medo porque sabia que eu poderia voar no momento em que começasse a correr. É como estar em um avião em que você sabe que tem motores e a aerodinâmica para voar. Você se sente seguro. É completamente diferente de estar de pé em uma torre olhando para baixo, onde você sabe que não pode dar um passo à frente. Não foi realmente um desafio porque logo no início, passei a confiar nestas asas e me senti confortável no ar. Eu tenho pavor de água, tenho muito medo de estar embaixo d’água, mas adoro estar no ar e compartilhá-lo com os pássaros.
Ano que vem você comemora 20 anos do seu 1º título mundial. Você consegue observar mudanças importantes dentro desta disciplina aérea?
Sempre fomos poucas mulheres no esporte. Provavelmente menos de 5% no mundo todo. Mas se as meninas olharem hoje para mim, vão entender que também é possível para elas. Eu não sou nenhum Schwarzenegger; sou apenas uma Schwiegershausen (risos). Sou pequena e leve e mesmo assim posso fazer isso. Fiquei muito feliz quando cheguei ao Brasil desta vez e passei uns dias na Bahia para visitar uma amiga. Lá o instrutor Beto Schmitz, outro grande amigo, estava treinando duas alunas e pude me juntar a elas para ajudá-lo no treinamento. É muito raro ter três mulheres voando juntas e isso foi incrível! Espero que seja um bom momento que possa encorajar mais meninas a tentarem voar.
Que tipo de conselhos você daria às meninas (ou iniciantes em geral) que sonham em ser uma atleta de asa-delta?
Você não precisa de muita força, não precisa ser grande e pesada. Ainda que o comando do equipamento dependa do peso do corpo, você pode praticar mesmo tendo o meu biótipo. É um equipamento pesado apenas quando está no chão. Normalmente, com três passos, você esta no ar e tudo fica leve e é o equipamento que passa a te carregar. Tudo que a gente precisa é de um bom treinamento e uma boa escola, que entende as limitações de pessoas mais leves. É um esporte lindo que pode ser feito com muita segurança.
Agora que você conquistou mais uma façanha para o seu já extenso currículo, quais são os planos para 2018?
Tenho algumas ideias engraçadas do que seria possível fazer para levar o esporte a uma visibilidade maior. Gostaria e ir à Austrália e tentar um recorde por lá. Na verdade, tenho vontade de estabelecer um recorde em cada continente. Não precisam ser necessariamente recordes oficiais, mas feitos inéditos ou ações que possam levar a beleza do voo para cada vez mais pessoas. O público precisa entender que esta modalidade está disponível e com fácil acesso, principalmente em lugares especiais como o Brasil.
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