© Helio Antonio
Surfe
Afinal de contas, como é que se mede uma onda
A ciência ainda luta pra determinar o tamanho de uma bomba
Que tamanho teria a maior onda "surfável" do planeta? Impensável até pouco tempo atrás, a marca de 80 pés, cerca de 24 metros, virou realidade nas bombas de Nazaré e a ideia de uma possível onda de 100 pés (30 metros) atiça o imaginário de qualquer big rider. Surfar ondas gigantes ganhou prestígio com o crescimento do Red Bull Big Wave Awards, premiação anual promovida pela WSL. A chave da vitória, porém, não depende só de preparação, talento e vontade. Acima de tudo está um componente frio: a calculadora. Mas que ainda assim dá margem a polêmicas.
Em 2020, a francesa Justine Dupont esteve muito perto do recorde de maior onda surfada por uma mulher. Sua bomba em Nazaré foi apenas alguns centímetros menor que a de 22,4 metros (73 pés), também em Nazaré, da brasileira Maya Gabeira. Mas a dificuldade foi tanta para definir quem tinha a melhor marca, que a WSL divulgou um documento explicando o processo de medição, com uma infinidade de cálculos e diferentes ângulos das ondas. Justine protestou, alegando erros de interpretação em pontos de referência usados, como altura das duas surfistas e posição dos fotógrafos.
Mesmo na comunidade científica, existem dúvidas sobre a marca. O oceanógrafo e especialista em mecânica de ondas Douglas Nemes vê certa razão nos argumentos da francesa: "Eu não concordei com o método que eles usaram pra definir a crista e a cava da onda. Se você erra onde está a crista e a base, você destruiu o método", diz. A própria WSL admite no documento as dificuldades nessa medição, informando que “Os conjuntos de dados de vídeo e foto são limitados e incompletos, o que torna o processo de estimativa da altura das ondas bastante desafiador”. Douglas reconhece a qualidade dos cientistas envolvidos, mas ressalta: "Ficou subjetivo", afirma.
No surfe, subjetividade e tamanho das ondas são conceitos que andam tão juntos quanto prancha e parafina. Se o melhor surfista é aquele que se diverte mais, quem surfa a “maior”, geralmente é quem conta a melhor história. Caso você pratique o esporte há tempo suficiente para ficar de pé na prancha, já deve ter ouvido expressões como “ontem tava clássico", “amanhã tem 1 metrão”, “1 conto e meio de onda”, “6 pés de onda”. Dependendo de quem está falando, e de onde se fala, essas “unidades de medida” podem estar se referindo ao mesmo pico e até a uma mesma onda.
As escalas de medição
Existem algumas escalas supostamente oficiais para medir tamanho de ondas. A escala havaiana, por exemplo, faz a medição por trás, causando o fenômeno da altura ser a metade do que é quando vista pela frente, na escala considerada normal. Uma onda de 30 pés brasileiros seriam 15 pés havaianos nessa lógica. A escala havaiana é tão real, que até o "Surfline", mais importante site de previsões do mundo, tem uma opção para personalizar a previsão para ela.
“É uma lenda urbana”, diz Douglas Nemes sobre a escala havaiana. “Um metro aqui no Brasil é 1 metro nos Estados Unidos", afirma. Pro pessoal todo das ondas grandes cada centímetro é importante. Rodrigo Koxa, por exemplo, ficou nacionalmente conhecido em 2017, com a sua onda de 24,38 metros em Nazaré, a maior já surfada por um ser humano. Apareceu na TV aberta, recebeu homenagem da Presidência da República. Surfar a maior onda do mundo chama atenção dentro e fora do mundo do esporte.
A busca por precisão nas medições tem crescido com o número de praticantes de surfe de ondas grandes. O caso de Justine e Maya mostra, no entanto, que o processo está longe de ser simples e ideal. Esse problema tem gerado até trabalho para cientistas. Douglas tem sido constantemente chamado para medir as ondas de campeonatos pelo Brasil e foi o medidor oficial do Gigantes de Nazaré. Ele foi descoberto pelo seu perfil Surfing and Studying. É lá que divulga conhecimento científico sobre surfe com abordagem de fácil compreensão pra quem é leigo.
A gente faz isso por amor, e não por um número
Pra Douglas, o melhor jeito de medir ondas é usando fotos e vídeos e encontrando referências dentro delas. A mais importante é o surfista: “A única referência de uma pessoa numa onda é a dela mesma, quem está surfando. A partir daí, você tem uma decomposição dessa altura, pois o surfista não fica ereto na onda. Eu uso o ângulo de joelhos e quadril pra encontrar uma escala de medida para aquela onda", explica.
Seu exemplo já desbanca o mito do 1 metrão: “Ninguém fala que a onda tem 3 metros de altura, todo mundo diz 1 metrão, 1 metrão e meio, mas se eu estou agachado e a onda tem dois de mim, a onda vai ter lá seus 3 metros”. Ele continua: “Cada pixel eu transformo em uma unidade de medida, com referência ao surfista”, completa. Além do próprio atleta, ele ainda precisa fazer cálculos para definir a crista e a base (cava) da onda, para assim chegar a um número aproximado do tamanho.
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Justine Dupont surfa em Nazaré sua maior onda
Perca o fôlego vendo a francesa dominar a maior montanha de água que já desceu em sua vencedora carreira. Dia 13 de novembro de 2019, em Nazaré.
Esse processo todo leva em média 2 horas, mediante a fatores que podem prejudicar, como qualidade de imagem e posicionamento do fotógrafo (lembra dos problemas da WSL para medir Justine x Maya?): "Em Teahupoo onde os fotógrafos ficam no canal, essa foto de lado com surfista na boca do tubo é perfeita. Já em Nazaré, é ruim quando o fotógrafo fica muito alto, por que a cava da onda fica praticamente reta".
Em casos em que a foto está ruim, Douglas acaba descartando a onda: "No Brasil chegam muitas fotos em que a onda da frente encobre a onda de trás. As praias também, em grande maioria, são retas e os fotógrafos se posicionam no nível do mar. Nos campeonatos que eu julgo, temos quase 45 por cento de desclassificações porque não dá para ver as referências", diz. Mesmo em casos com boas imagens ele diz que ”existe uma incerteza na medida e você tem que apresentá-la nos resultados.”
Quem sofreu com esse processo complexo de cálculos foi Lucas Chumbo, finalista da categoria de Maior Onda de Tow-in no Red Bull Big Wave Awards 2021. O big rider pegou uma onda muito grande em outubro de 2020, mas na análise final, a entidade considerou que Lucas não surfou até a base da onda, ficando assim com o quinto lugar na disputa. “Foi a maior onda da minha vida com certeza, e poderia ser a maior onda mundo”, disse Lucas, que discordou da decisão.
Chumbo está entre aqueles que preferem não se pautar tanto pelas métricas: “Eu, pessoalmente, avalio mais a performance. Nunca pensei 'quero a maior do mundo', mas se ela vier pra mim, vou surfar”, diz. Ele só pede mais precisão para o futuro: “Agradeço a todos os cientistas que medem nossas ondas, só espero que a tecnologia melhore e que a gente possa ter mais precisão. É difícil trabalhar com essas medições indefinidas”, completa.
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