Foi no fim dos anos 70, em Nova York, que nasceu o hip-hop, um dos principais movimentos de arte urbana da história e que envolve dança (breaking), arte gráfica (grafite), performance (DJ) e música (rap). Se hoje o hip-hop é forte e respeitado no mundo inteiro, em boa parte isso se deve ao pioneirismo de rappers que enfrentaram preconceitos para que a rima pudesse fluir livremente.
O começo de tudo
Foi no dia 11 de agosto de 1973, na região do Bronx, em Nova York, que o DJ jamaicano Kool Herc organizou uma festa que mudou os rumos da história para sempre. Para inovar seus sets, Herc decidiu tocar apenas o instrumental e os breaks das músicas de funk e soul da época, cantadas por lendas como James Brown a James Clinton.
O público foi ao delírio e os MCs também curtiram tanto a novidade que começaram a acrescentar rimas às batidas, deixando as festas ainda mais animadas. Desde então, a cultura hip-hop se transformou em uma grande potência da música, da dança, da arte e da moda.
Durante anos, a cena ferveu nas ruas de Nova York, e uma das músicas que ajudou o hip-hop a ser exportado para o resto do planeta foi a clássica "Rapper's Delight", do grupo Sugarhill Gang, lançada em 1979.
O hip-hop chega ao Brasil
A viagem de sucesso do hip-hop pelo mundo desembarcou no Brasil no início da década de 80, na cidade de São Paulo, quando os jovens começaram a receber informações do movimento que estava acontecendo em Nova York.
Grupos de periferia passaram então a se reunir na Galeria 24 de Maio e na estação São Bento do metrô para escutar as músicas vindas do Bronx, acompanhados de novos passos de dança. Os primeiros frequentadores do local foram os dançarinos de breaking, e alguns dos maiores precursores do estilo foram nomes que até hoje causam impacto na cena, como Nelson Triunfo e Thaíde.
Naquela época, o rap ainda era considerado um estilo musical violento e tipicamente periférico. Rappin' Hood também estava lá vivendo todo esse momento controverso de ascensão da cultura. "A gente corria da polícia só porque fazia rap. Eles chegavam na estação e quebravam nossos discos", lembra o rapper.
Em 1984, o grupo norte-americano Public Enemy veio ao Brasil para fazer seu primeiro show em São Paulo, impactando um grande número de pessoas com aquela nova cultura. Assim o rap começou a se difundir rapidamente entre as periferias da cidade, mexendo com a autoestima de jovens que buscavam um meio de se integrar à juventude da sua época, dentro de uma sociedade minada de preconceitos e que vivia em um regime de ditadura.
"O álbum 'Fear of a Black Planet' do Public Enemy, de 1990, mudou minha vida e minha postura frente ao mundo. Esse disco é histórico. Sua militância foi uma afirmação muito grande na época", diz Rappin' Hood. "A banda ajudou muitos jovens negros do mundo inteiro a terem autoestima e a entenderem seu potencial. No Brasil, quem fez isso por mim foram os discos de Thaíde, DJ Hum e Racionais MC's".
Os primeiros rappers brasileiros
O primeiro álbum brasileiro exclusivo de rap foi a coletânea "Hip-Hop Cultura de Rua", lançada em 1988. Nela foi apresentado o trabalho de rappers como Thaíde e DJ Hum, MC Jack e Código 13, que se tornaram lendas na cena.
No ano seguinte foi lançada a coletânea "Consciência Black, Vol. I", que projetou um dos maiores grupos da história do rap brasileiro: os Racionais MC's. Formado por Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay, o grupo apresentou um rap voltado para a desigualdade na periferia e injustiças sociais.
O hip-hop domina o País
O hip-hop espalhou-se por todos os cantos da cidade de São Paulo e diversos grupos de jovens começaram a se reunir nos finais de semana para escutar aquele som com o qual tanto se identificavam, dando início a bailes black como o Chic Show, que ditou inúmeras tendências musicais desde a sua criação.
Isso tudo levou ao surgimento de muitas gravadoras dedicadas ao estilo, que produziam compilações com artistas presentes no som daquelas festas. Algumas coletâneas de sucesso lançadas do final da década de 80 foram "Ousadia do Rap", da Kaskata's Records, "O Som das Ruas", da Chic Show, e "Situation RAP" da FAT Records.
Na década de 90, o rap ganhou as rádios de todo o País e a indústria começou a dar ainda mais atenção ao estilo. Natanael Valêncio foi o primeiro DJ a colocar no ar um programa 100% dedicado ao rap, o Movimento de Rua, na Rádio Imprensa. "O Natanael foi um grande mentor na minha vida. Ele foi o cara que me viu bem moleque e acreditou em mim", conta Rappin' Hood.
Na mesma época, artistas como Pavilhão 9, Detentos do Rap, Câmbio Negro, Xis & Dentinho e MV Bill começaram a surgir na cena. Em 1993, os Racionais MCs lançaram seu primeiro álbum, "Raio X do Brasil". O sucesso foi tanto que o grupo foi chamado para abrir o show do Public Enemy, em São Paulo.
Em 1995, o Facção Central destacou-se como o principal nome do gangsta rap brasileiro ao lançar o clássico "Juventude de Atitude", retratando a violência, crime, pobreza e repressão policial nas favelas de São Paulo. O clipe de "Isso Aqui é Uma Guerra" [assista abaixo], de 1999, chegou a ser proibido pelo Ministério Público.
Em 1997, os Racionais MC's lançaram "Sobrevivendo no Inferno". O álbum se tornou um dos maiores clássicos do rap nacional – e continua fazendo história até hoje: em 2018, o disco entrou como obra obrigatória no vestibular da UNICAMP.
De lá pra cá muita coisa mudou. Atualmente, o rap já faz parte do cenário musical brasileiro, vencendo preconceitos todos os dias. Mas apesar de incorporar novas sonoridades e subgêneros, o rap não perdeu sua essência de denunciar as injustiças, vividas principalmente pela população pobre das periferias das grandes cidades.
"Acho que essa popularidade do rap se deve a todos os 'nãos' que a velha escola foi obrigada a dizer", afirma Rappin' Hood. A nova geração está seguindo um caminho que trilhamos no passado. Muitos se sacrificaram para que o rap pudesse ter esse respeito, para ser o que ele é hoje".
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